12 de julho de 2010

[EBP-Veredas] XXVIII Boletim Eletrônico da Delegação Geral -MA/EBP




Editorial

Chegamos ao final de um semestre de produção do ensino de Lacan em nossa Delegação. Iniciamos este ano com adesão de quatro novos participantes, com novas atividades abordando Educação Psicanálise, Psicanálise e Arte (CIEN- laboratório em formação) , Leituras e Estudo de textos Freudianos e também com um Cartel de Ensino cujo tema é " Delírio Generalizado na Orientação Lacaniana" visando já o preparo para o XVIII Encontro do Campo Freudiano da EBP. Tivemos como ponto alto desse semestre a presença em abril da nossa conselheira Sônia Vicente que apresentou a Conferência "Não recuar frente ao diagnóstico" e o Seminário "De Perto todo Mundo Delira", temas ligados ao conceito da AMP sobre a clinica da foraclusão generalizada que teve uma excelente platéia interessada no instigante tema para os dias atuais.

Trazemos neste boletim um texto da nossa colega Thaïs e a nossa Agenda de trabalho.



Publicações


Casos raros: As psicoses ordinárias na Clínica do delírio generalizado

Thaïs Moraes Correia*

“Diante do louco, diante do delirante, não te esqueças do que tu és, ou do que

tu fostes, analisante e de que tu também falavas do que não existe”(Miller).

Vamos falar aqui sobre as psicoses na segunda clínica (borromeana) e cujo tema geral é: os casos raros, inclassificáveis na clínica.

Em Conversações de Arcachon, encontro na página 13: “Muitos casos não classificados, ou mal classificados, atualmente, dizem respeito a essa clínica a espera de polimento, após preciosas contribuições de Jacques Lacan e Jacques Allain Miller, em seguida em seu curso repetidas vezes.”

Se antes, a clínica baseava-se na estrutura; hoje é pensada a partir de conexões; onde a clínica do sintoma apesar de não subsumir com a 1ª clínica da neurose e psicose dos anos 50 toma lugar relevante nos temas atuais. A clínica da psicose é sem a noção de déficit e a do sintoma não é dos sintomas, sempre refutada por Lacan. Não basta perguntar em que beltrano é neurótico, mas em que ele não o é. É preciso atentar para detalhes, muitos detalhes muito pequenos que chamam a atenção para o lado da psicose, pois esta não se trata de distúrbio de linguagem tão somente, mas de algo destoante na amarração RSI. O mais claro exemplo disso é uma certa estranheza entre o eu e o corpo; um trato da pulsão de forma desenfreada, desatrelada do discurso. Como distinguir esses casos das “compulsões” e adições do mundo moderno? Assim como uma analise se faz sob emendas e suturas, o sujeito também dessa forma se constitui. Na psicose há que chamamos de soluções psicóticas - quando este sujeito tenta se solucionar - e não devemos atrapalhar; devemos colaborar nesse auto-tratamento. O psicanalista, nas palavras de Antônio Bennetti deve aí operar como louco em ação: deve escutar o psicótico como não patológico. Há de se respeitar o saber que advém de sua boca, pois ele não nos coloca na posição de “saber suposto”. Ele é aquele que sabe “aonde vai”- ele pode cair no buraco e aí temos que dar a mão para que isso não ocorra. No TDL (ultíssimo Lacan) o paciente e o analista são tidos como loucos - um mais que o outro, é claro. Há, portanto, na clínica de psicose, uma dimensão de cura no imaginário; outra no simbólico; e outra no real- onde esse seria literalmente “resgatado”.

Anna Freud nos anos 30 chamava de bordeline aquele que tinha tropeços no desenvolvimento - mas Lacan tem uma posição bastante distinta desta e pode ser reconhecido hoje como aquele que jamais recuou diante da psicose. Convidou os analistas a se atreverem a escutar como testemunhas; a secretariar o psicótico - sem interpretar a transferência ou fazer interpretações bruscas.

Lacan sustentava que não existe pré-história da psicose, a psicose está colocada desde sempre, tratando-se de uma posição subjetiva. E ainda, nada se parece tanto com uma sintomatologia neurótica quanto uma sintomatologia psicótica, daí diversas histéricas em seus estados confusionais serem consideradas loucas.

Na revista de Psicanálise ‘Entrevários’ em texto de Maria de Lourdes Mattos lemos:

“A Psicose ordinária tem, a princípio, uma conotação simples, fundado no fenômeno clínico: ordinária é o contrário de extraordinária. Não se vêem alucinações, fenômenos elementares significativos, nem um delírio articulado. Estamos, ao contrário, em presença do que, intensamente confunde-se com o que não é psicose...um desequilíbrio conseqüente de uma contingência aparentemente banal, revela-se precisamente uma psicose” (pág. 83).

O analista nesses casos pode barrar o gozo desenfreado do sujeito não o deixando deitar no divã, não se colocando de modo intrusivo, acatando e de alguma forma, interferindo em suas decisões. O silêncio do analista pode estar longe de uma posição passiva, mas de um ‘vá com calma’, pois devemos nos portar como secretário do alienado.

A hospitalização serve em certos casos, para pacificar o gozo extremado – assim como nos psicóticos que estão freqüentando o consultório de um psicanalista, pode tomar essa figura como pára-gozo, do tipo pára-choque. Nem sempre a análise é suficiente, pois o psicótico pode ser acometido de uma profunda sensação de inexistência.

O psicótico, diferente do neurótico, carrega consigo o objeto a e a ‘ experiência analítica’ não pode ser abordada sem que nela o objeto a esteja implicado no coração da transferência. Não iremos nesse trabalho falar da transferência maciça que os psicóticos operam com seu analista, mas vale lembrar que a suplência é realizada não ao se buscar restaurar o sentido, mas de localizar no íntimo do sujeito, o sem sentido de um gozo vivido como estrangeiro.

O gozo desordenado do psicótico não é sem angústia, mas essa é tamanha que exige a hospitalização. Como poderíamos falar desse período pré-psicótico? Estariam presentes nos desenganches, em momentos de desligamentos em relação ao outro – decorrentes da foraclusão do Nome do Pai traduzidos por intensa solidão e profundo vazio. É necessário que na análise se realize algum tipo de sutura - algum tipo de amarração dos três registros para que haja manutenção dos três registros para que haja manutenção do laço social. Lacan é firme: não existe pré-história da psicose - a psicose está colocada desde sempre, tratando-se de uma posição subjetiva.

Na psicose há um objeto mal: karkôn para os gregos e conseqüentemente um a golpear (a si mesmo ou ao outro). Quando o psicótico golpeia o outro, golpeia o karkôn que está no mais íntimo dele - daí podemos pensar nos homicídios imotivados.

Dessa forma podemos perscrutar qual foi à construção realizada pelos psicanalistas (de Freud a Miller) acerca da psicose, dentro do Campo Freudiano. No entanto, interessa-me nesse momento rever o conceito que Freud fazia da psicose e recorro à Elisa Alvarenga em livro com esse título, publicado pela Ed. Tahl - MG. Inicialmente, Freud vê a psicose como uma forma específica de defesa, e como tal distinta da neurose e sim no quadro de “neuropsicoses de defesa”. Elisa diz que: “Freud vai interessar-se nesse segundo momento pelas psicoses como ‘afecções’ que colocam problemas bem específicos e permitem fazer avançar a teoria”. Tanto na paranóia como na esquizofrenia, haveria maneiras mais ou menos radicais de desviar a libido do mundo exterior. Ou como se diz de forma até jocosa hoje: o psicótico nada quer saber da relação sexual.

Após a introdução da segunda tópica, com a Pulsão de Morte na teoria, os critérios utilizados até então, se revelam insuficientes para a diferenciação das neuroses e psicoses; sejam eles a defesa, o destino do afeto, a retração da libido, o homossexualismo, ou relação com a realidade.

Freud passa a se interessar pela maneira como os psicóticos se afastam da realidade – realidade psíquica ou simbólica, realidade da castração.

Há um terceiro momento em que Freud passa das psicoses à psicose no singular e daí podemos lembrar-nos de Lacan com o conceito de estrutura psicótica. Para Lacan, nos anos 50, a psicose é uma estrutura irredutível à estrutura neurótica.

Freud construiu o conceito de psicose, Lacan por sua vez a vê inicialmente como uma estrutura, e nesse cartel procuraremos ver no último ensino o que chamamos de psicose ordinária, que estaria no coração da clínica do delírio generalizado.

As analogias de Freud são importantes de ser rememoradas: “as idéias delirantes devem ser situadas ao lado das idéias obsessivas; a paranóia é considerada uma forma de defesa e as pessoas tornam-se paranóicas diante de coisas que elas não conseguem tolerar”. Ainda segundo Freud, “é preciso uma predisposição especial, que consiste em uma tendência para aquilo que representa a caracterização psíquica de paranóia”. Ou como dizia Lacan: é muito difícil “fazer um filho psicótico”.

*Psicanalista, Aderente da EBP, Agregada ao DEFIL-UFMA, Coordenadora do CIEN/DG-MA

Notas bibliográficas:

· “Entrevários”: revista de Psicanálise /abril de 2009; (CLIN-A; São Paulo)

· “Os casos Raros, inclassificáveis, da clínica psicanalítica: A conversação de Arcachon” / Diretor da coleção: Jorge Forbes; coordenação: Angelina Harari

· Alvarenga, Elisa – “Psicose”, Ed. Tahl M.G. n/ data

· Dicionário enciclopédico de Psicanálise: o legado de Freud à Lacan: editado por Pierre Kaufmann – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996

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